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Artigo 28 – “Fomentar aquele amor suave e forte pela Sagrada Escritura” (SC, n.24)

Artigo 28 – “Fomentar aquele amor suave e forte pela Sagrada Escritura” (SC, n.24)

  Acolhendo a proposta formativa que nos é oferecida em preparação ao Jubileu do ano de 2025, vamos aprofundar alguns

 

Acolhendo a proposta formativa que nos é oferecida em preparação ao Jubileu do ano de 2025, vamos aprofundar alguns aspectos que colocam em relação a Sagrada Escritura e a Sagrada Liturgia a partir do subsídio 7 dos cadernos do Concílio Vaticano II que trata sobre a Sagrada Escritura na Liturgia.

A Sacrosanctum Concilium recorda o papel que a Sagrada Escritura exerce na Liturgia levando o fiel a experimentar “o gosto vivo e saboroso” daquilo que celebra. Na Liturgia se realiza uma escuta profundamente “espiritual”, pois o Espírito Santo age na Palavra proclamada e nos Sacramentos celebrados, vivifica a Igreja e suscita ministérios concedendo dons e crismas em vista da edificação comum. Assim como em Pentecostes, o Espírito torna-se “línguas de fogo” e como Palavra ardente, entra pessoalmente em cada homem, “conforme o Espírito concedia expressar-se” (At 2,4). Pessoas e etnias diferentes, com histórias diversas, sentem a Palavra revelar-se de modo íntimo, cada um “em sua própria língua” (At 2,6). Por meio da Palavra, o Espírito penetra na intimidade de cada um, tornando-se familiar. Nessa experiência, quando a Palavra é acolhida, o Espírito faz com que cada um se sinta em casa com ela, à sua mesa, permitindo saborear as maravilhas de Deus. A Palavra proclamada, com efeito, narra à assembleia “as maravilhas de Deus” (At 2,11), que o Espírito atualiza “aqui” e “no hoje” da Igreja. 

O subsídio afirma que a Palavra tem uma força viva que se manifesta em dois aspectos. Antes de tudo, a Palavra é performativa: ela realiza o que diz. Pensemos no relato da criação onde tudo passa a existir em total correspondência à Palavra pronunciada por Deus: “Deus disse: ‘Haja luz!’, e houve luz” (Gn 1,3). Ligando Palavra e Liturgia percebemos que isso acontece nos Sacramentos e é também o que a assembleia litúrgica reconhece como realizado em sua experiência de fé. O segundo aspecto da força viva da Palavra é que ela tem função paradigmática: revela o agir de Deus que se associa com a existência pessoal de cada um e da comunidade. Isso exige fidelidade ao texto, humildade para reconhecer a realidade da própria condição e a riqueza da sabedoria cristã. Com os pés firmes no cotidiano, em um ato de oração e confiança, acolhe-se o que a Palavra nos transmite. Assim, a fé se ilumina com luz viva e permite discernir a realidade na luz de Deus e caminhar na história. A Palavra e a Liturgia contêm o gosto vivo ao realizar o que diz e ao celebrar conduzindo à experiência do mistério revelado.

A Palavra traz consigo o gosto saboroso daquilo que anuncia provocando uma transformação de vida. O encontro de Jesus Ressuscita com os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) é um relato de conversão onde a experiência de percepção sensorial ocupa um lugar de destaque. A transformação dos dois discípulos acontece partindo da inteligência, percorre o mundo perceptivo deles, até chegar ao coração: antes “lento”, mas depois “ardente”; antes, os olhos estavam “impedidos de reconhecê-lo”, mas depois, eles “abriram-se ao partir do pão”, para chegar a uma mudança de direção do caminho, do afastar-se de Jerusalém ao direcionar-se à cidade santa, reunindo os Onze e toda a comunidade para anunciar que “Realmente, o Senhor ressuscitou” (v.34). Acontece uma mudança total: de inteligência, de sentimentos, de visão, de coração. O processo transformador é realizado pelo Ressuscitado e por suas palavras. Diante dos seus olhos, Jesus liga as Escrituras aos fatos que eles viveram (intus-ligare) transformando o modo como eles os entenderam (intus-legare). Ele explica as Escrituras vinculando os eventos de acordo com o ponto de vista de Deus. Desse modo, os discípulos recebem uma nova sabedoria. Deixando-se guiar pelas Escrituras, eles mesmos se deixam ler pelas Escrituras a partir de uma leitura que conduz a uma síntese de vida e a uma nova narração da própria experiência.

Em Emaús, o encontro com o Ressuscitado termina à mesa, onde os dois reativam o “gosto vivo e saboroso” do partir do pão. O forasteiro entra em comunhão com eles mediante este gesto familiar, fala à memória deles, toca o coração deles e é reconhecido por eles. Finalmente celebram a Páscoa, voltam à Igreja e o Ressuscitado fica com eles de uma nova forma.

Para concluir, podemos dizer que é necessário um sábio equilíbrio, pois na prática pastoral, a dissociação entre Sagrada Escritura e Liturgia leva ao desequilíbrio. Quando a Sagrada Escritura é desconsiderada, o rito fica esvaziado e acaba por desvirtuar a própria Liturgia e faz perder o gosto saboroso do encontro com a Palavra.

A simbologia da Liturgia deve muito à Sagrada Escritura. Quando a preocupação em animar a celebração acaba perturbando os seus ritos e os seus tempos, quando a celebração é sufocada por comentários contínuos que extinguem a força dos símbolos, quando a atenção é capturada pela preocupação de formas cada vez mais extravagantes e que nada têm a ver com a sábia Tradição cristã, a fantasia mortifica a Liturgia em vez de exaltar seu poder. A criatividade que a Liturgia requer tem como objetivo ativar uma pedagogia capaz de introduzir ao mistério de Deus que em Cristo vem ao encontro de cada homem.

Outro perigo que pode ocorrer quando a Liturgia não se orienta mais pela Sagrada Escritura é o de tornar-se rígida nas normas rituais. Essa rigidez, chamada de rubricismo, não só mortifica a celebração, mas extingue a vida dos fiéis em uma repetição estéril do rito, prestando um serviço ao conformismo das regras em vez de se abrir a um encontro alegre com o Senhor da salvação.

Precisamos redescobrir a beleza da Liturgia, tão grandiosa e harmônica, sóbria e solene. Devemos humildemente retomar a Sacrosanctum Concilium em sua definição precisa da Liturgia, entendida como a perpétua atuação do Mistério Pascal de Cristo (SC, n.5). Trata-se de fazer com que todos celebrem com respeito e com gratidão a anamnese, a memória atual e real do que Cristo fez pela nossa redenção, a memória atual e real da sua Páscoa, com a qual nos libertou da morte e nos reuniu com Deus. Como recorda o Papa Francisco: “O ponto de partida é reconhecer a realidade da Sagrada Liturgia, um tesouro vivo que não pode ser reduzido a gostos, receitas e correntes, mas deve ser acolhido com docilidade e promovido com amor, como alimento insubstituível para o crescimento orgânico do povo de Deus. A Liturgia não é o campo do ‘eu acho’, mas a epifania da comunhão eclesial. Portanto, nas orações e nos gestos ressoa o ‘nós’ e não o ‘eu’; a comunidade real, não o sujeito ideal. Quando se lamentam, com nostalgia, tendências passadas ou se quer impor novas, corre-se o risco de colocar a parte antes do todo, o eu antes do povo de Deus, o abstrato antes do concreto, a ideologia antes da comunhão e, em sua raiz, o mundano antes do espiritual”.




FRANCISCO. Discurso aos participantes na Assembleia Plenária da Congregação para o culto divino e a disciplina dos Sacramentos (Discursos). Sala Paulo VI, 14 de fevereiro de 2019.

 

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