As intercessões ao governo para a resolução urgente dos conflitos entre indígenas e agricultores, em virtude da demarcação de terras em diversas regiões do Rio Grande do Sul, avançou mais um passo esta semana.
Dom Zeno Hastenteufel, Presidente do Regional Sul III da CNBB enviou, em nome de todos os arcebispos e bispos do Estado, uma carta ao Governador do Estado, Sr. Tarso Genro.
Confira a seguir, o documento na íntegra:
Excelentíssimo Sr. Governador
DD. Dr. Tarso Genro,
Cordiais saudações!
Nós, bispos e arcebispos do Rio Grande do Sul, Regional Sul III da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, vimos expressar-lhe, por meio desta, nossa grande preocupação, somada a de tantos outros grupos, instituições e famílias de nosso Estado , sobre o conflito gerado pela demarcação das terras indígenas.
Na Assembleia Regional Ordinária que realizamos de 2 a 5 do corrente mês, em São Leopoldo-RS, decidimos nos manifestar junto ao excelentíssimo Governador, para que ações mais eficazes e rápidas possam ser encaminhadas visando o bem destes grupos, bem como da sociedade em geral. Sentimos a dor das famílias envolvidas, tanto dos pequenos agricultores que legalmente obtiveram as escrituras de suas terras e não podem simplesmente abandoná-las, sabendo ser delas que extraem seu sustento e o de suas famílias, quanto à dor das famílias indígenas que buscam recuperar suas raízes e seguir sua história, buscando, de alguma forma, resolver esta dívida histórica para com seus povos.
São centenas de famílias de agricultores que sofrem tensão, pressão psicológica, moral e até física em alguns casos. Na mesma situação, também sentimos a aflição dos povos indígenas que sofreram injustiça histórica e que hoje buscam reaver o que é de seu direito, ou seja, as terras onde seus antepassados viveram. Consideramos essa situação delicada como uma gritante injustiça e um grande descaso, sobretudo pela maneira como vêm sendo administrados os fatos pelos órgãos responsáveis. Estes órgãos devem estar a serviço da vida e da dignidade humanas.
Sabemos que na Constituição Brasileira, capítulo VIII, art. 231, consta: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Constatamos também que os pequenos agricultores em nossa região, diferentemente do que acontece em outras partes do país, possuem legalmente suas terras, que foram compradas e registradas pelos seus antepassados, em geral, já de terceira e quarta geração! Como dizer-lhes que a terra que os sustenta há decênios não é e não será mais deles? E o que mais impressiona: sem o justo ressarcimento do valor desses bens? Sem contar a dimensão humano-afetiva abalada pelo fato de serem praticamente arrancados de suas terras para lugar nenhum... Ou para algum acampamento, quase sempre desumano, na espera da solução de um problema que não foi criado por eles e que dificilmente será resolvido num curto espaço de tempo.
Entendemos que todo o processo de discussão sobre as possíveis demarcações deve ser operado em caráter dialogal, onde todas as partes envolvidas possam participar e expor suas reais necessidades dentro do processo administrativo, em todas as suas fases. Recordamos ainda que cabe à União em caso de desapropriação, indenizar antecipadamente, com justo valor de mercado, as famílias, obedecendo aos princípios da administração pública, através do processo judicial. Muitas destas terras foram adquiridas improdutivas e hoje estão tratadas, com imóveis construídos e solo devidamente qualificado para o plantio e cultivo da agricultura e pecuária. Para onde irão e como viverão estas famílias, sem suas terras, suas raízes, seus amigos, vizinhos e familiares, enfim, suas marcas antropológicas, psicológicas e afetivas?
Constatamos diante de tudo isso que não são somente os pequenos agricultores que estão apreensivos, mas também os indígenas, pois vivem na insegurança diante da promessa feita pelos governos do Estado e da União. Por isso, na medida em que não há uma atuação dialogada e digna, a polarização cresce e o conflito maior se faz iminente. Pela maneira como decorre a situação, percebemos que o derramamento de sangue se torna cada vez mais inevitável, caso algo não seja rapidamente encaminhado. Não esperemos, excelentíssimo Governador, que o sangue seja derramado primeiro para, só depois, pensarmos em soluções. Estas precisam ser encaminhadas já. Não é possível mais esperar.
Nesse momento de retomada de terras indígenas, a Igreja Católica, que está no Regional Sul III, não se posiciona a favor deste ou daquele grupo, uma vez que constata serem ambos vítimas de uma inadequada e injusta atuação histórica.
Caro Governador Tarso Genro, confiamos mais uma vez em sua peculiar e perspicaz atuação na busca do melhor para o nosso glorioso Estado do Rio Grande do Sul; por isso, estamos seguros e, desde já, profundamente agradecidos por tudo que fará neste caso para que a atuação do Estado, através de seus órgãos, possa usar métodos que valorizem a democracia em que vivemos, bem como a vida humana que é oriunda do Criador e semelhante a Ele! Nosso Senhor Jesus Cristo, lhe conceda sabedoria, seja Ele vosso Mestre e orientador constante, sobretudo nas dificuldades.
Despedimo-nos cordialmente e no desejo de servir,
Dom Zeno Hastenteufel
Bispo Diocesano de Novo Hamburgo-RS
Presidente do Regional Sul III da CNBB
Victória Holzbach
Assessoria de Comunicação da Arquidiocese de Passo Fundo
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