Neste momento em que a Igreja e o mundo se despedem do Papa Francisco, a PASCOM da Arquidiocese de Passo Fundo realizou uma entrevista com o padre Daniel Rodrigo Feltes, que está morando em Roma há dois anos, enviado pela Arquidiocese para fazer o mestrado de teologia. Confira a entrevista a seguir:
Pe. Daniel: Neste ano celebrei 10 anos de ministério presbiteral, dentro do Jubileu Peregrinos de Esperança convocado pelo Papa Francisco. Posso dizer que o Papa Francisco tem marcado toda a minha caminhada presbiteral, pois já fui ordenado dentro do período de seu pontificado. Sempre busquei estar em comunhão com o seu magistério e atento aos seus sinais proféticos para a Igreja e para o mundo. Ele trouxe, verdadeiramente, o testemunho da “alegria do Evangelho” e convidou a todos nós para esta postura no discipulado a Jesus Cristo.
Vivendo este período de estudos aqui em Roma, tive a oportunidade de estar próximo ao Papa em várias celebrações e até mesmo participar de uma audiência com ele no ano passado (2024), em vista do aniversário do Colégio Pio Brasileiro onde resido. Foi uma grande alegria saudá-lo e agradecê-lo por sua postura de pastor para a Igreja.
Em meu coração tinha o sentimento de não querer viver esta despedida, mesmo sabendo que em algum momento aconteceria. É ocasião de agradecer por tudo o que ele foi, fez e significou para a Igreja e para o mundo. Momento de luto e de entrega para Deus.
Pe. Daniel: Foi muito expressivo o fato de o Papa ter conseguido dar a bênção Urbi et Orbi no domingo de Páscoa e também circular com o papamóvel em meio à multidão na praça. A impressão que fica é de que ali ele fez a sua despedida, a sua entrega para Deus. Aquele que iniciou o pontificado dizendo que era o bispo de Roma e que a partir daquele momento iriam caminhar juntos - bispo e povo - se doou até o fim a Deus e ao seu povo - todos nós.
São tantas as recordações bonitas que me vêm à memória, dos seus gestos, das brincadeiras e sobretudo da sua postura diante da vida e da missão da Igreja. São tantos os depoimentos bonitos de diversas pessoas e de vários lugares do mundo. São testemunhos de pessoas que foram tocadas por Deus através do Papa Francisco. É uma multidão que lhe presta homenagem, presencialmente ou pelos vários meios de comunicação e redes sociais. Tudo isso marca, emociona e aumenta a minha gratidão pelo presente de Deus que nos foi Francisco.
Pe. Daniel: Viver este momento em Roma suscita muitos sentimentos: é a tristeza da despedida misturada com a gratidão. Posso dizer que é um luto agradecido. Sempre é difícil se despedir de uma pessoa amada, que marcou a vida da gente. Já dá uma grande saudade, pois eu o sentia tão próximo, tão presente no cotidiano de Roma e da minha vida.
Também ouvi vários testemunhos de pessoas que destacaram esse sentimento de proximidade (“vicinanza”) - desde o capelão da Casa Santa Marta até as pessoas que foram rezar em frente ao hospital no período de sua internação em fevereiro (“lo sentiamo vicino” - disse uma senhora).
É a despedida de um pai e irmão na fé muito próximo, que soube integrar bem a ternura e a firmeza na condução da Igreja. Nesse sentido, surge também uma paz no coração pelo fato do Papa Francisco ter sido tão humano e intenso na busca de coerência de vida. Enfim, o sentimento de alguém que viveu com muita autenticidade o seguimento a Jesus Cristo.
Pe. Daniel: A cidade de Roma já estava toda envolvida pelas peregrinações e celebrações do Jubileu. Portanto, a cidade está bastante movimentada, repleta de pessoas de todo o canto do mundo. Nestes dias há pessoas que vieram por causa do Jubileu e da canonização de Carlos Acutis, que estava prevista, por causa da semana santa e agora mais ainda para o velório do Papa Francisco. É uma multidão de pessoas que se colocam na postura de peregrinos. E quem vem a Roma quer ver o Papa e agora o encontra morto.
A experiência que eu vivenciei na fila, de mais de duas horas e meia, para entrar na Basílica e rezar diante do corpo do Papa Francisco é de que a multidão expressa um sentimento de orfandade. Há uma comoção geral e cada um demonstra ao seu modo - tem quem fica em silêncio, tem quem manifesta a sua emoção em choro, tem quem sente a necessidade de falar… O fato é que, mesmo com toda a multidão, há um clima sereno, uma paz de espírito que paira no povo; como se o povo sentisse que o Papa descansou em paz. E dentro da Basílica São Pedro há um silêncio muito respeitoso e, diria até, de veneração.
Pe. Daniel: Compartilho uma experiência da fila para entrar no velório na Basílica. Nessa ocasião, ouvi um senhor afirmando que era de outra denominação religiosa, mas que iria fazer a sua oração pelo Papa Francisco por tudo o que ele fez na Igreja Católica, o quanto trabalhou pela sua unidade, mas também por tudo o que significou para o mundo todo.
Isso me chamou muito a atenção - alguém não católico ficar horas numa fila para rezar pelo Papa. Para mim foi a confirmação de que o Papa Francisco foi uma referência moral e profética para o mundo. A proximidade que nós cristãos católicos sentimos com ele também significou acolhida sentida por tantas pessoas de diversas denominações religiosas. A sinodalidade dentro da Igreja é também caminhar juntos com o mundo.
Há muita coisa para destacar do legado do Papa Francisco; ressalto alguns aspectos. Eclesialmente destaco a Exortação Apostólica Evangelii gaudium: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida toda de quem se encontra com Jesus” (EG 1). Não tem como entender o magistério do Papa Francisco sem ler este documento; é a chave de compreensão da sua pessoa e da missão que realizou, dos processos de evangelização que promoveu.
Teologicamente a ênfase na perspectiva dialógica, de uma teologia indutiva, a partir da vida, da realidade e que dê as razões da nossa esperança. Politicamente destaco a opção pelos pobres, a defesa das vítimas das injustiças, das diversas formas de violência e das guerras, sempre clamando pela paz, pedindo o cessar fogo e o fim da produção e venda de armas.
Economicamente apresentou a proposta da Economia de Francisco, uma economia que coloca no centro a vida e não o lucro às custas da exploração humana e destruição do Planeta, nossa Casa Comum. Socialmente o grande legado é o da fraternidade, de que “a união é maior que todo o conflito”, o que não significa negação das diferenças, mas união em vista do bem comum.
E humanamente destaco a autenticidade e a proximidade do Papa Francisco. Isto é, ele não interpretou um personagem, mas ele foi ele mesmo, Francisco foi Bergoglio exercendo o ministério de pastor da Igreja Católica. E essa autenticidade encanta e desinstala, aproxima e questiona nossas posturas. Ele sentia a necessidade de estar próximo das pessoas e as pessoas o sentiam, de fato, próximo delas.
Pe. Daniel: O Papa Francisco afirmou que um dos princípios que o conduziu é de que “o tempo é maior do que o espaço”. Isto é, mais importante do que ocupar lugares, disputar por poder, é fundamental iniciar processos. Assim, são muitos os processos abertos pelo Papa Francisco, de uma Igreja que está sempre em reforma em busca da coerência e fidelidade a Deus.
O Espírito Santo age através de mediações na história, através de cada batizado, através da Igreja. O importante é se colocar a caminho, na postura de discípulo missionário, discernir os sinais dos tempos e buscar corresponder a estes apelos. É tomar iniciativas e se deixar conduzir pelo Espírito Santo.
O Papa Francisco foi um profeta que iniciou processos. Refletiu, exortou, orientou. A resposta em primeiro lugar é pessoal, de cada um de nós. Mas também é coletiva, de toda a Igreja, nos projetos e iniciativas que assume. O modo de caminhar, de continuar estes processos é através da sinodalidade, pois não há respostas prontas, mas desafios que nos interpelam de diferentes modos nos contextos específicos. Portanto, para sermos Igreja peregrina de Esperança, temos que continuar caminhando juntos, nos passos do Mestre Jesus.
Gratidão por tudo Papa Francisco! Vai com Deus!
E interceda junto ao Pai misericordioso por toda a humanidade! Amém!
Roma, 25 de abril de 2025.
# Proibida a reprodução parcial. Somente na íntegra.
Fonte: PASCOM - Elisabete Gambatto