A Igreja, como mãe e mestra, prepara a celebração dos grandes mistérios da vida de Jesus Cristo para serem frutuosas no fortalecimento da fé e da vida cristã. Especial cuidado é dado ao Natal e à Páscoa. A melhor preparação é feita pela liturgia eucarística, em particular a dominical, seja no advento ou na quaresma.
No tempo do advento outros meios bons e úteis se somam à liturgia, destaco dois: o presépio e os encontros de Natal. Sobre o presépio o Papa Francisco nos escreveu, no dia 01/12/2019, a Carta Apostólica Admirabile Signum – Admirável Sinal incentivando os católicos a montarem presépios nas casas e em outros espaços da sociedade. Ele é um admirável sinal para anunciar o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Outra forma, é o subsídio de preparação do Natal oferecido pelo Regional Sul 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, para 2024, com o título: CRISTO: A MAIOR ESPERANÇA. O tema foi escolhido por dois motivos: A Igreja, através do Papa Francisco, nos convoca para o Ano Jubilar de 2025 com o tema Peregrinos da Esperança; o segundo motivo são as catastróficas enchentes vividas em 2023 e 2024. Em meio a tantos desafios mundiais e sofrimentos locais, anunciar a esperança cristã é missão da Igreja.
O que é esperança?
De qual esperança estamos falando? As duas fontes que nos orientam sobre o tema são: A bula do Papa Francisco para o Jubileu Ordinário do ano de 2025, Spes non confundit – a esperança não decepciona (Rm 5,5) e a carta encíclica Spe Salvi facti sumus – É na esperança que fomos salvos (Rm 8,24), do Papa Bento XVI, de 30/11/2007. O apóstolo São Paulo fala muito da esperança. Os capítulos 5 e 8 da Carta aos Romanos inspiram a bula e a encíclica.
Todos nós temos muitas esperanças, umas maiores e outras menores. Elas vão mudando ao longo do curso da vida. Não sabemos como será o amanhã. Isto torna o futuro imprevisível gerando sentimentos contrapostos: desde a confiança até o medo, da serenidade ao desânimo, da certeza à dúvida. Temos pessoas que olham o futuro com pessimismo, decepcionadas com as frustrações oriundas do fracasso das expectativas.
Na história da humanidade, principalmente a partir do século XVII, o avanço da ciência permitiu as navegações, o desenvolvimento industrial, novas tecnologias. Foram criadas novas formas de organizar a sociedade. Tudo isto gerou uma nova forma de pensar a vida. Cada vez mais se acredita que as mudanças do mundo serão fruto da inteligência e do trabalho humano e de nova organização da sociedade. As mudanças não virão mais da esperança em Deus. A ciência, o progresso econômico, novos remédios, enfim as produções humanas, em breve, vão resolver os problemas existentes. Elas vão criar um mundo perfeito. Todos experimentamos que este mundo perfeito não existe e nunca vai existir, pelo simples fato que somos limitados e finitos. Todas as obras feitas por pessoas humanas, sempre serão imperfeitas e sujeitas a erro.
A esperança cristã valoriza todo progresso oriundo da ciência, da tecnologia e da organização social. Porém, ela aponta que o mundo precisa de Deus e a presença dele é esperança. A esperança cristã não se reduz naquilo que os humanos podem fazer. Ela sempre inclui a vida eterna, o encontro definitivo com Deus. A certeza quanto ao futuro faz o cristão viver intensamente o tempo presente.
O homem é redimido pelo amor. [...] Neste sentido, é verdade que quem não conhece a Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida (cf. Ef 2,12). A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora “até o fim”, “até a plena consumação” (Jo 13,1 e 19,30)” (Spe Salvi, n.26, 27).
Os encontros de Natal do subsídio da CNBB
O Evangelho não é uma simples informação, mas ele gera fatos e muda a vida. A virtude teologal da esperança precisa ser aprendida e exercitada. O subsídio apresenta quatro encontros de preparação para o Natal e a celebração penitencial como “lugares” de aprendizagem e exercício da maior esperança. Apresento cada encontro com o objetivo de fundamentar a sua escolha e a sua importância.
1º encontro: Levantar e levar a esperança. É inspirado na visita de Maria a Isabel (Lc 1, 39-45). A Escritura revela que Deus acompanha sempre o seu povo. Os profetas anunciam a vinda do Messias. Maria é um modelo de fé, esperança e caridade. Acredita nas palavras do arcanjo Gabriel que Deus olhou para a sua humildade. Pelo “sim” abriu-se para Deus a porta do nosso mundo, onde Deus se fez carne tornando-se um de nós e a esperança de milênios se tornasse realidade. Sabendo das necessidades de Isabel, colocou-se apressadamente a caminho para servi-la, mas também para anunciar Jesus Cristo a Isabel e João Batista.
Maria é mulher de esperança. O que ela fez é um convite para fazermos o mesmo. Próximo ou longe de nós moram pessoas que não conhecem Jesus ou estão longe dele ou perderam o encanto por ele; como também há tantas pessoas necessitadas de ajuda nas necessidades materiais e psíquico-emocionais. Todos precisam de uma pessoa de fé, como Maria, para levar Jesus, gerando alegria e esperança.
2º encontro: Alimentar a Esperança na Oração, tendo por referência a oração do Pai Nosso (Mt 6,5-15). O primeiro e essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração. Jesus rezava e isso basta como argumento em favor da oração. O comportamento de Jesus é norma absoluta de vida para o discípulo. Jesus rezava e ninguém pode negar isto. A oração era o seu respirar, seu horizonte de referência, a fonte de suas ações e palavras.
Devemos amar a oração porque Cristo a amou. Despertou nos discípulos um pedido: “Ensina-nos a rezar!” Já pedimos alguma vez: “Ensina-nos a rezar?” O caminho da oração nunca tem fim, tampouco chegaremos ao fim do caminho da fé e da conversão; caminho de conversão, caminho de fé e caminho de oração são caminhos simultâneos, são caminhos intercambiáveis.
O subsídio de Natal reflete sobre o Pai Nosso: “Quando Jesus diz orai assim, não ensina uma fórmula de rezar. Ensina como rezar, o modo de rezar certo. Assim: na primeira parte, ensina como relacionar-se com Deus: a) Pai nosso... relacionar-se com Deus como Pai; b) …que estás no céus… relacionar-se com Deus como Criador; c) …santificado seja o teu nome… relacionar-se com Deus como Santo; d) …venha o teu Reino… relacionar-se com Deus como Senhor; e) …seja feita a tua vontade, como no céu, assim também na terra... relacionar-se com Deus como Amigo, cuidando da Casa Comum.
Na segunda parte, Jesus ensina como relacionar-se com os outros e com a criação: a) O pão nosso de cada dia dá-nos hoje... relacionar-se com os irmãos, criando partilha; b) Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores... relacionar-se com os outros, criando justiça; c) E não nos deixes cair em tentação..., relacionar-se com os outros, criando veracidade, d) ...mas livra-nos do mal... relacionar-se com os outros, criando fraternidade” (pág. 14 e 15).
3º encontro: Fortalecer a Esperança na Comunidade, inspirados nas bem-aventuranças (Mt 5,1-12). “As nossas vidas estão em profunda comunhão entre si; através de numerosas interações, estão concatenadas uma com a outra. Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço e realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem. [...]
A nossa esperança é sempre, essencialmente, também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança para mim. Como cristãos, não basta perguntarmo-nos: como posso salvar-me a mim mesmo? Deveremos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança? Então terei feito também o máximo pela minha salvação pessoal (Spe Salvi, n. 48).
As Bem-aventuranças espelham a vida de Jesus viveu. Elas são o projeto para os discípulos. Há muitas resistências para acolhê-las, mas não podemos abrir mão delas. Apresento a reflexão sobre as bem-aventuranças presente no subsídio de Natal.
1.“Valoriza-se a força própria do ter... para assegurar o reino da terra. Mas bem-aventurados-esperançosos são os pobres em espírito, isto é, desprovidos da força própria do ter, para em Deus ter a força do partilhar. [...] 2. Valoriza-se a força própria do poder... para assegurar a terra como propriedade egoísta. Mas bem-aventurados-esperançosos são os mansos, isto é, desprovidos da força própria do poder, para em Deus ter a força do servir. [...] 3. Valoriza-se a força própria do aproveitar-se... para assegurar unicamente o prazer egoísta. Mas bem-aventurados-esperançosos são os aflitos, isto é, desprovidos da força própria do gozar, para em Deus ter a força própria do amor. [...]
4.Instaura-se com o mero ter, mero poder e mero aproveitar-se um desejo insaciável de injustiça... para acumular sempre mais força própria do ter, poder e gozar. Mas bem-aventurados-esperançosos são os que têm fome e sede de justiça. [...] 5. Valoriza-se a força própria da competição... para garantir a segurança pessoal (nada de “transparecer fraqueza”). Mas bem-aventurados-esperançosos são os misericordiosos. [...] 6. Valoriza-se a força própria da falsidade... para assegurar a imagem pessoal (nada de “ser ingênuo”). Mas bem-aventurados-esperançosos são os puros de coração. [...] 7. Valoriza-se a força própria da prepotência... para assegurar o direito próprio (nada de “ser mole”). Mas bem-aventurados-esperançosos são os que promovem a paz. Esses serão chamados filhos de Deus, isto é, agem como o Deus-Pai, que é a paz. [...]
8. Instaura-se com a competição, a falsidade e a prepotência um reino de injustiça. Mas bem-aventurados-esperançosos são os que são perseguidos por causa da justiça: lutando pelo reino da misericórdia, retidão e paz. [...] 9. Não somos bem-aventurados-esperançosos quando todos nos aprovam, aplaudem e bajulam, mas quando nos injuriam, perseguem e falam mal contra nós por causa de Jesus. Regozijai-vos, porque tendes um sentido maior: não o bem-estar terreno, mas a recompensa em Deus. Temos exemplos: os profetas que vieram antes de nós. (Pág. 20-22)
4º encontro: Viver a esperança na solidariedade, iluminados pela parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37). O sofrimento faz parte da existência humana. A sua origem está na nossa finitude, na limitação do corpo, nos pecados cometidos, nas estruturas injustas da sociedade. Enfim, vivemos num mundo imperfeito. Toda ação séria e sincera é esperança em ato, pois concretiza as nossas esperanças menores e maiores. Todo esforço para superar e diminuir a dor, amenizar o sofrimento dos inocentes, ajudar a superar sofrimentos psicoemocionais deve ser realizado com todo empenho.
Agir e sofrer são lugares de aprendizagem da esperança. “A grandeza da humanidade determina-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre. Isto vale para o indivíduo como para a sociedade. Uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a compaixão, para fazer com que o sofrimento seja compartilhado e assumido mesmo interiormente, é uma sociedade cruel e desumana. [...]
Aceitar o outro que sofre significa, de fato, assumir de alguma forma o seu sofrimento, de tal modo que este se torna também meu. Mas, precisamente porque agora se tornou sofrimento compartilhado, no qual há a presença do outro, este sofrimento é penetrado pela luz do amor. A palavra latina con-solatio, consolação, exprime isto mesmo de forma muito bela sugerindo um estar-com na solidão, que então deixa de ser solidão. Mas, a capacidade de aceitar o sofrimento por amor do bem, da verdade e da justiça é também constitutiva da grandeza da humanidade. (Spe Salvi, n.38).
A parábola do Bom Samaritano começa com uma pergunta: “Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna? As esperanças humanas normalmente terminam quando se concretiza a solução de um problema ou se alcançou uma meta no mundo. A esperança cristã somente se torna realidade definitiva no encontro definitivo com Deus. Por isso, a esperança cristã está ligada à vida eterna.
Na bula jubilar o Papa Francisco ensina: O juízo de Deus, que é amor (cf. 1Jo4,8.16), só poderá basear-se no amor, especialmente naquele que tivermos, ou não, praticado para com os mais necessitados, nos quais Cristo, o próprio Juiz, está presente (cf. Mt 25,31-46). Trata-se, portanto, de um juízo diferente do juízo dos homens e dos tribunais terrenos; deve ser entendido como uma relação verdadeira com Deus-amor e consigo mesmo dentro do mistério insondável da misericórdia divina” (n.22)
Celebração Penitencial: Com Cristo renasce a esperança. Jesus confiou à Igreja o ministério da reconciliação. Em diversas oportunidades fala sobre o perdão, perdoa e na oração do Pai Nosso ensinou: Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. A Igreja nos proporcionada várias formas para aprender e exercitar o perdão e a reconciliação: a confissão sacramental individual, as celebrações penitenciais, o ato penitencial na missa, procissões penitenciais, entre outras.
Na bula o Papa Francisco no ensina: Uma tal experiência repleta de perdão não pode deixar de abrir o coração e a mente para perdoar. Perdoar não muda o passado, não pode modificar o que já aconteceu; no entanto, o perdão pode nos permitir mudar o futuro e viver de forma diferente, sem rancor, ódio e vingança. O futuro iluminado pelo perdão permite ler o passado com olhos diferentes, mais serenos, mesmo que ainda banhados de lágrimas (n.23)
Somos convidados a criar um desejo ardente para celebrar o Natal. Aproveitemos todos os meios que a mãe Igreja nos proporciona, entre eles o subsídio preparado pela CNBB Sul 3, para que a presença do Menino Jesus: a maior esperança ilumine as desilusões que pairam sobre a humanidade.
1. As pessoas com quem convivo manifestam esperança ou pessimismo e desilusão?
2. O que é esperança cristã?
3. Como posso ajudar as pessoas a cultivar a esperança cristã?
Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo
Fonte: ASCOM - Elisabete Gambatto