Estamos caminhando a passos largos, neste tempo de graça da quaresma, para a Páscoa. Somos ajudados de modo particular pela liturgia dominical que, neste domingo, nos oferece a fascinante parábola do Filho Pródigo (Josué 5,9-12, salmo 33, 2 Coríntios 5,17-21 e Lucas 15, 1.3.11-32). As parábolas exercem um fascínio sobre os leitores. Elas sempre partem de situações bem familiares aos ouvintes com a finalidade de os conduzirem aos mistério de Deus.
“Temos que afirmar que a parábola é um espelho sim, mas que não reflete apenas a confusão do nosso estado atual. Ela é um espelho peculiaríssimo, pois oferece-nos não só a nossa visão presente, mas a visão de Jesus sobre nós. E dessa forma, a parábola é uma espantosa experiência de conversão ao olhar de Jesus. As parábolas não são, por isso, um espelho passivo que apenas reflete. Elas têm por finalidade suscitar um novo modo de ver e de pensar, colocando em crise a imagem ordinária e convencional que possuímos. São um espelho que corrige, reorienta e refunda a nossa visão do Reino de Deus”. (Cardeal José T. de Mendonça)
A parábola do Filho Pródigo nos faz rever a nossa imagem interior, a forma como construímos a relação conosco mesmos e com os outros, o que queremos ou não que a vida seja, o modo como nos distanciamos ou nos aproximamos de Deus. Portanto, a questão central da parábola são as relações humanas, exemplificadas entre os três personagens: o pai e os dois filhos. A forma como acontecem as relações é fruto das opções dos personagens. O personagem central é o Pai. Nesta parábola fica evidente que se trata de Deus. Os filhos, com suas escolhas, envolvem os leitores. O Pai reconhece as virtudes dos filhos e corrige as suas escolhas erradas.
O filho mais novo julga que sua vida é insatisfatória. Não se conforma com a rotina do trabalho, da convivência familiar, do seguimento e das normas e tradições. Tem iniciativa e usando a sua liberdade opta por viver num “lugar distante” e “esbanjando tudo numa vida desenfreada”. Opta em tornar o prazer como meta da vida. O Pai respeita e acolhe a opção do filho. Porém, viver de novidade cada dia, fazer somente o que vem à cabeça, também cansa e vira rotina. Vem o tédio e a angústia que o fazem retornar para casa desejando não mais ser filho, mas empregado. Mesmo nestas condições é acolhido pelo Pai.
O filho mais velho optou por viver em casa e trabalhar com o Pai. A convivência descrita por ele foi dessa forma: “eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua”. Parece que se acomodou e se conformou em viver sem maiores desejos. O Pai reconhece e respeita a decisão dele e lhe diz: “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu”. O filho mais velho permaneceu em casa, trabalhou com o pai, mas a relação que tinha com ele era serviçal. Não percebeu que o Pai o amava e compartilhava diariamente a vida com ele.
A parábola ajuda-nos a compreender melhor quem somos nós. O comportamento dos dois filhos revelaram alguns traços das opções humanas. Muitas delas feitas de forma errada. Achamos que é possível viver de forma isolada ou colocando os outros a nosso serviço. Ou viver simplesmente seguindo leis como garantia de vida ética e feliz.
A parábola também nos ajuda a compreender melhor o procedimento de Deus. A atitude do Pai de acolher o filho mais novo e desejar que o filho mais velho participe da mesma festa indica que os dois precisavam ser ajudados. O Pai estava ciente dos erros dos dois filhos. Porém, se seguisse simplesmente a lei e uma justiça humana nunca se resolveria a relação conflituosa entre eles. Os dois precisam ouvir um “sim” do Pai afirmando que continuava a tratá-los e querê-los como filhos. Os pecados precisam ser perdoados, mesmo que não mude o passado. “O futuro iluminado pelo perdão permite ler o passado com olhos diferentes, mais serenos, mesmo que ainda banhados em lágrimas” (Papa Francisco).
Fonte: Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo