Neste 34º Domingo Comum, encerramento do ano litúrgico, celebramos a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. O acento bíblico litúrgico desta solenidade diz respeito ao reinado de Jesus que extrapola, pelas suas características, toda a compreensão de reinado estruturado nas estruturas humanos que o levou a afirmar diante de Pilatos que o seu reino não era desse mundo.
A história do povo de Israel, da qual Jesus descende, foi marcada pela presença de reis como governantes, extremamente contraditórios enquanto cumpridores da vontade de Deus e servidores do povo. Eles não cumpriram o preceito do bom agir de um rei segundo o pedido feito por Salomão a Deus: “coração sábio para governar o povo de Deus, a fim de julgar o teu povo com retidão e distinguir entre o bem e o mal” (1Rs 3,9).
Todavia, o povo seguiu sua jornada ansiando por um rei justo e bom, o Messias enviado de Deus para cuidar do seu povo. Jesus, na sua jornada missionária, sem jamais assumir o compromisso de ser o “novo rei de Israel”, segundo os anseios de um messianismo triunfalista, fez da sua peregrinação uma trajetória de amor, misericórdia e cuidado do povo. Em determinados momentos foi até questionado se esta seria a sua função.
Até mesmo seus discípulos o confundiram com um messias político e disputavam o “melhor lugar” em um futuro reino restaurado, ao que ele fazia questão de lembrar que a marca da sua missão era o serviço e expressava isso cabalmente como se quisesse abrir a mente e o coração dos seus discípulos: “vocês sabem que os governantes das nações as dominam e os grandes as tiranizam, mas entre vós não deve ser assim. Ao contrário, quem de vocês quiser ser grande, seja o servidor de vocês. E quem de vocês quiser ser o primeiro seja o servo de todos. Porque o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a própria vida como resgate por muitos” (Mc 10,43-45).
A celebração deste domingo convida a rezar esta memória significativa, como descreve o prefacio da oração eucarística indicada para o dia: com óleo de exultação ungiste vosso filho Jesus Cristo, Sacerdote eterno e Rei do universo (…)depois de ter submetido ao seu poder todas as criaturas, entregará à vossa imensa majestade um reino eterno universal: reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça do amor e da paz (cf. MR 426).
O texto de Lucas (23,35-43), proposto para este domingo, relata os momentos finais da vida de Jesus, já crucificado e agonizante na cruz. Jesus está morrendo e aparentemente derrotado. Muitos assistem àquela cena que vista de uma forma superficial seria a vitória dos adversários de Jesus, visto que parte dos seus seguidores haviam debandando e os que ali ficaram não tinha muito o que fazer.
Jesus foi zombado primeiramente pelos chefes. E o objeto da zombaria dirigida a Jesus pelos chefes era a salvação da sua vida carnal. Jesus é zombado por ser incompetente e por não ter sido capaz salvar a si mesmo, princípio de uma sociedade centrada na pessoa fechada em si mesma, segundo a qual vale o “eu egoísta”, justamente o que Jesus não defendia.
Os soldados também zombavam de Jesus. Estes ofereciam-lhe vinagre e diziam: “se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”. Este segundo grupo cobra de Jesus algo que foi atribuído a Ele, o reinado de Israel. Jesus seria o messias escolhido, com um poder sem limites para governar aquele povo à revelia do poder romano, dominante naquele território. Também não compreenderam o sentido do messianismo de Jesus, marcado pelo serviço e a vida doada pelos pobres e últimos da sociedade como ele expressou no início da sua missão na Galileia (Lc 4,16-20).
A terceira manifestação, não de zombaria, mas de insulto, vem de um dos crucificados junto com Jesus. Ele queria que Jesus se salvasse, mas também salvasse a ele e seu companheiro. Estava indignado porque Jesus não deu um “jeitinho” na sua vida. Foi repreendido pelo outro companheiro que compreendera o sentido da atividade de Jesus. Aquele homem entendeu o sentido do peregrinar de Jesus e percebeu que estava ao lado de alguém “diferenciado, como expressou: este homem não fez nada de mal. Ele entendeu que Jesus só fez o bem. Disse também: “lembra-te de mim quando estiver no teu reinado”.
Ao ouvir a repreensão do outro crucificado, dirigida ao companheiro, e o pedido feito, Jesus acentua a finalidade da sua missão, marcada pela misericórdia e atenção aos últimos, Jesus respondeu: “ainda hoje estarás comigo no paraíso”. Ele não esqueceu dos “esquecidos” da sociedade como expressava no início da sua missão: o espírito do Senhor está sobre mim porque me ungiu para estar com eles e libertá-los (cf. Lc 4,16s).
Este foi o sentido e a perspectiva do seu reinado.
Pe. Ari Antonio dos Reis – Coordenador de Pastoral