Na vivência do Tempo Pascal, sempre escutamos, na proclamação do Evangelho, que o Ressuscitado aparece “no primeiro dia da semana”. Nisto, a partir de hoje, queremos nos ocupar com o estudo sobre o “primeiro dia da semana”, ou seja, o Domingo. Esta temática será abordada a partir do Caderno 12 – da Coleção Cadernos do Concílio – do qual aprofunda o tema evidenciado no parágrafo 106 da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium. O nosso percurso consistirá em, primeiro lugar, considerar alguns fatos presentes nas sessões do Concílio Vaticano II, que resultaram na elaboração desta Constituição. Isto permitirá que nos próximos artigos, possamos compreender a dimensão teológica ligada ao Ano Litúrgico; relacionar a Eucaristia e o dia do Senhor; aprofundar o sentido do celebrar e da teologia da participação na ação litúrgica; e, por fim, apresentar algumas dicas sobre a valorização da dimensão celebrativa, cuidando da ars celebrandi.
Antes, porém, de apresentar os tais fatos das sessões conciliares, o Caderno 12 realiza uma ponte com aquilo que é abordado na Constituição Dogmática Lumen Gentium (LG). Tal ponte deseja ligar a temática do Domingo com a vida e participação do Povo de Deus nas celebrações. Na verdade, tal Constituição revela que a verdadeira natureza do Povo de Deus é ser sujeito da ação litúrgica, uma vez que o exerce na “recepção dos sacramentos, na oração e na ação de graças” (LG, n.10). Sendo que a Igreja, no seu conjunto, é uma comunidade sacerdotal, todos os fiéis (pelo Batismo) são o novo povo de Deus, o qual lhe é concedida esta dádiva da oração e da ação de graças. Assim, visto que o sacerdócio comum caracteriza a comunidade sagrada e organicamente estruturada, esse deve exercer-se por meios orgânicos e visíveis, isto é, por meio dos Sacramentos e das virtudes cristãs. O efeito específico do Sacramento da Eucaristia é a união dos participantes com Cristo e entre si (cf. LG, n. 26).
Por conta disso, é que a missa dominical é o momento no qual os cristãos exprimem seu Batismo e, configurando-se e reconhecendo-se como Povo de Deus, revivem intensamente a experiência feita pelos Apóstolos na noite de Páscoa, quando o Ressuscitado se manifestou a eles reunidos. A comunidade cristã de hoje participa do evento de graça realizado por Jesus e, como Povo de Deus, reúne-se a cada Domingo para celebrar a morte e a Ressurreição do Senhor. É por isso que o domingo é chamado de dies Domini, ou seja,“Dia do Senhor”.
Partindo desta reflexão é que os Padres Conciliares se dedicaram a sanar algumas lacunas deixadas no calendário litúrgico, principalmente àquelas que diziam respeito às festas dos Santos que “ofuscavam”, ou pior, que eram precedidas sobre o domingo. Na preparação do Concílio, em 1959, os Bispos foram convidados a votar os temas a serem tratados no mesmo. Muitos Bispos escreveram sobre o tema do domingo, recomendando que sua posição de destaque fosse recuperada. Diante de tantas respostas, foram instituídas dez comissões preparatórias. Para a comissão de Liturgia, contudo, foram transmitidas doze questões a serem tratadas na primeira sessão (de 12 a 15 de novembro de 1960). O tema do calendário litúrgico figurava entre elas no quinto lugar e na lista não havia menção explícita do domingo.
Entretando, depois da segunda sessão (de 12 a 22 de abril de 1961) a comissão elaborou o primeiro esboço da Constituição. Em novembro daquele ano, os membros enviaram as suas observações à comissão, resultando no segundo esboço, no qual o tema do domingo foi colocado em quarto lugar. Sobre o este tema, foi aprimorado o texto, reduzindo o segmento em que se falaca do perigo de que as festas dos santos ofuscassem o “Dia do Senhor”. Em janeiro de 1962, fora aprovado o terceiro esboço da Constituição, de modo que, naquele ano o Papa João XXIII deu sua autorização para que o texto fosse discutido no Concílio.
Dentre muitas modificações, em outubro de 1963, o tema do domingo volta a ser tratado e, desta forma, o texto evidenciava o valor desse dia como reunião da comunidade cristã para comemorar a Páscoa e estabelecia a sua prevalência. Foi descartada a proposta de transferir para o domingo as festas importantes que caíssem durante a semana porque ia em detrimento do significado do dies Domini, mas foi consentida aos Bispos a possibilidade de adaptações particulares. Durante o Concílio, os textos de cada parágrafo foram submetidos à votação e assim, em 4 de dezembro de 1963, com 2147 votos favoráveis nascia a Constituição Sacrosanctum Concilium. O parágrafo 106 desta Constituição, dedicado ao tema do domingo, revelou-se como o bom resultado de uma série de revisões e exprime de maneira sintética uma reflexão teológica articulada, como é típico da linguagem conciliar.
Diante deste percurso, podemos já ser imbuídos da espiritualidade que brota da preeminência do Domingo em nossa vida de fé. O Papa Francisco, na Desidério Desideravi, n. 65, afirma que “o domingo, antes de ser um preceito, é um dom que Deus faz ao seu povo”. Assim, o Domingo como dom reenvia a celebração eucarística na qual Cristo se oferece, quando cumpre a doação de si ao Pai e associa esse ato de amor à humanidade inteira, tornando atual a prática do culto que caracteriza a Igreja. Acolher um dom implica uma reconsideração profunda do preceito que, por séculos, caracterizou a participação na assembleia dominical.