Introduzindo o Caderno 10 do Concílio Vaticano II sobre a Liturgia das Horas, o Papa Francisco reforça dois aspectos da formação litúrgica na Igreja: “a formação para a Liturgia e a formação a partir da Liturgia. O primeiro está em função do segundo, que é essencial” (DD 34). Na tentativa de renovar não somente a Celebração Eucarística, a Liturgia das Horas ou Ofício Divino se tornou um instrumento excepcional, que antes do Concílio era obrigatório a todos os presbíteros, monges e por muitas congregações religiosas masculinas e femininas, e que a partir do Concílio houve um grande impulso para abrir o Ofício Divino a todos, tornando a Liturgia novamente o coração e o centro da vida na fé.
Com a acentuada reflexão teológica, no que se refere acerca da natureza do sacerdócio comum ou régio, ficou claro e possível a participação dos leigos ao Ofício Divino, não limitando somente aos que receberam a incumbência de rezá-lo. Ficou claro na reflexão sobre o conceito de Igreja como Corpo Místico de Cristo que o Ofício Divino é a via principal pela qual Cristo continua sua obra sacerdotal, cantando louvores a Deus por meio da ação da Igreja (cf. SC 83).
Muitos escritores auxiliaram para que o Ofício Divino fosse acessível e chegasse a ser rezado, como o Pe. Divo Barsotti, que introduziu as pessoas em sua espiritualidade e incentivando a participação dos leigos, assim como o bem-aventurado Carlos Manuel Rodríguez Santiago, encarregando a tarefa de traduzir do latim para o espanhol os rituais da Igreja, inclusive o Ofício.
O mandato de Cristo de estar em constante oração, levaram os cristãos a adotarem essa prática, que provém do costume judaico, de rezar pela manhã e à noite, durante o sacrifício e rezar sete vezes ao dia, conforme está no Livro dos Salmos. A prática de rezar em horários definidos, de forma estruturada e ordenada, foi estabelecida no século IX as horas principais: as Matinas (na madrugada), as Laudes (início da manhã) e as Vésperas (ao pôr do sol). Entre as Laudes e as Vésperas, rezava-se as horas menores: Prima (ao amanhecer), Terça (às nove horas), Sexta (meio-dia), Nona (quinze horas) e para fechar o dia as Completas (noite).
Esses Ofícios eram rezados nas Catedrais, por ser o centro da vida litúrgica, com vários bispos que incentivavam, como Ambrósio de Milão (339-397) e Eusébio de Cesareia (263-339), mas ao mesmo tempo entre os monges, por dedicarem boa parte do dia para a oração, desenvolveram ofícios mais simples, mas maiores, recitando em horários fixos, do dia e da noite. São Bento de Núrsia (480-547) influenciou boa parte do Ofício que temos hoje, por recitar durante uma semana os 150 salmos, além de alguns elementos tirados do Ofício da Catedral, como leituras bíblicas, hinos e responsórios. Os mosteiros eram espaços onde se apoiaram o progresso da educação, da cultura, da arte, da arquitetura e de melhorias na agricultura, na medicina e outras ciências. O Ofício Beneditino se tornou o ofício padrão até aos nossos dias.
O processo de consolidação do Ofício ao Breviário foi se dando, passando de um caráter popular para um caráter obrigatório a todos os clérigos, sendo abreviado em um único volume: daí vem o nome “Breviário”, que fora sendo adotado pela ordens mendicantes, franciscanos e dominicanos, facilitando a cumprir a obrigação, por percorrer longas distâncias a pé. Os fiéis, para não perderem o costume de rezar as Horas, foram propostos os Livros das Horas, que por sua vez, foram sendo acessíveis aos leigos mais abastados, de acordo com as suas devoções, havendo uma diversidade de textos, a ponto do Papa São Pio V, com a reforma litúrgica, uniformizar com o Ofício da Virgem Maria.
Os leigos ricos, respondendo aos seus desejos de uma devoção cristã privada e pessoal, enquanto os pobres, sem instrução, encontravam formas de rezar, substituindo a Liturgia das Horas pelo Rosário, que com o badalar dos sinos dos mosteiros para rezar as Horas, costumavam rezar pela manhã, ao meio dia e a tarde a Oração do Angelus.
Com a reforma do Concílio Vaticano II, querendo ser fiel à tradição estrutural do Ofício Divino, os fiéis deviam ser formados pela Liturgia, tornando acessível, por meio da utilização das traduções para as línguas locais, à grande maioria como oração destinada à santificação do dia. “Não basta somente preparar textos, se não nos engajamos no processo em que os fiéis são formados para a Liturgia”, diz Papa Francisco.
Enfim, São Paulo VI na Constituição Apostólica Laudis Canticum nos diz: “para que brilhe mais claramente essa característica do nosso modo de rezar, é preciso que refloresça em todos aquele suave e vivo amor à Sagrada Escritura, que emana da Liturgia das Horas, e assim a Sagrada Escritura se torne realmente a fonte principal de toda a oração cristã” (LC 8), na formação da vida espiritual dos fiéis.
Fonte: Pe. Joule Windson Cunha Santos