Ao iniciar a Semana Santa, a Liturgia da Igreja nos coloca junto a Jesus nos passos derradeiros de Sua vida terrena, pelos quais realizou a nossa salvação oferecendo-se na cruz. Com uma celebração peculiar, no Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, em um mesmo dia vivenciamos ritualmente a entrada de Cristo em Jerusalém e Sua crucifixão, razão pela qual podemos intuir a natureza misteriosa da Liturgia. De fato, a constituição Sacrosanctum Concilium (n. 8), do Concílio Vaticano II, ensina que
Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como peregrinos nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; por meio dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória.
Isso significa que, embora vivamos ainda no tempo, em acontecimentos sucessivos, por meio da Liturgia da Igreja Deus abre para nós uma janela para contemplarmos a Eternidade, o hoje de Deus, desde o qual Ele realiza a salvação e de toda a humanidade em toda a história.
É, pois, pela Liturgia e pelos Sacramentos que a Igreja faz valer para nós e para cada pessoa de fé, em todas as épocas depois da volta do Senhor ao Pai e em todos os lugares a obra redentora de Cristo. E essa prerrogativa que a Liturgia tem de, de certa forma, desprezar a passagem do tempo para nos pôr na Eternidade fica ainda mais clara nos ritos do Tríduo Pascal, ou seja, a missa da Ceia do Senhor na quinta-feira santa, a celebração da Paixão do Senhor na sexta-feira santa e a Vigília Pascal da Ressurreição do Senhor no sábado santo, pois vivenciamos uma única celebração que decorre durante três dias em momentos distintos.
Com efeito, na missa da Ceia do Senhor nos fazemos verdadeiramente presentes naquele momento em que Jesus se reuniu com os apóstolos para se entregar como alimento nas espécies do Pão e do Vinho. Inicia-se o Tríduo com o sinal da cruz, segue-se a liturgia da Palavra, o rito do lava-pés e a liturgia eucarística, mas depois parece-nos que não há uma conclusão, pois rezamos silenciosamente diante do Santíssimo Sacramento e vamos embora sem ter recebido a bênção.
No dia seguinte, sexta-feira, os ritos da celebração da Paixão do Senhor se iniciam silenciosamente e de maneira inusitada, diríamos que um tanto desconfortável. Somos dramaticamente lançados no Calvário, aos pés da cruz, ouvimos a humilhação do Servo Sofredor e nos ajoelhamos no momento em que Jesus morre na cruz, rezamos pela salvação da humanidade inteira, adoramos o Senhor crucificado e comungamos da Eucaristia consagrada na noite anterior, pois nesse dia não se celebram os sacramentos. E assim também deixamos a igreja com a sensação de que algo ficou por concluir, novamente sem bênção.
Realmente algo ficou faltando, pois o ritual tem continuação na noite do sábado, quando nos reunimos ao redor do fogo novo e, depois de aceso o Círio Pascal, entramos novamente na igreja escura e silenciosa levando nossas pequenas velas. Então que ouvimos a Proclamação da Páscoa. O Senhor ressuscitou! As leituras e salmos da vigília nos fazem perceber que, desde sempre, Deus esteve acompanhando e salvando as pessoas através de toda a história e que essa salvação, a aliança eterna entre Deus e a humanidade, alcançou a forma definitiva com a morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Diante do túmulo vazio nossas almas se enchem de alegria, pois acreditamos firmemente que o Senhor está vivo e dá a cada um de nós a Sua vida divina. A Igreja como que retoma o fôlego e a energia para cantar louvores a Deus e realizar os sacramentos, com a liturgia batismal e novamente a Eucaristia. Só então recebemos a solene bênção pascal que conclui a celebração do Tríduo e nos felicitamos com votos de feliz páscoa.
Como dito acima, esse poder de elevar a nossa vida temporal à eternidade de Deus não diz respeito apenas aos ritos da Semana Santa e da Páscoa, mas pertence a toda a Liturgia. Isto é importante: a Liturgia não nos faz recordar acontecimentos de um passado remoto, como para lembrarmos de acontecimentos que já se foram. Ela torna atual e eficaz para nós a ação salvadora de Deus e, portanto, deve ter consequências existenciais em nossa vida, nos nossos sofrimentos pequenos e grandes, nas nossas lutas, derrotas e sucessos. Em cada missa, quando pedimos que o Senhor receba pelas mãos do sacerdote as oferendas do pão e do vinho, colocamos sobre o altar toda a nossa vida para que se una ao sacrifício eterno de Jesus e se transforme em oferenda agradável ao Pai. Deus nos recebe por inteiro e alimenta agora a esperança de vermos todos os dramas humanos transfigurados e glorificados, quando também nós ressuscitarmos como Jesus e O pudermos contemplar face-a-face no Céu.