Estamos iniciando a Semana da Família. É oportunidade de olharmos para as nossas famílias na constituição que foram formadas e que são interlocutoras da Igreja na missão evangelizadora. Apesar de tantas transformações no mundo, o desejo de uma vida familiar está no horizonte dos jovens e isto incentiva a Igreja, como resposta a este anseio, ao anúncio cristão sobre a família como verdadeiramente uma boa notícia (cf. AL 1).
Uma das imagens mais comuns da família é a referência dela reunida ao redor da mesa, partilhando a refeição. Vemos isso em filmes, séries de televisão e nas telenovelas. Mas tomemos cuidado para não projetar em nossas famílias as idealizações que a televisão sugere, ou seja famílias de gente bonita, bem vestida, bem resolvida, com mesa farta, sorridente, etc. São idealizações que nem sempre contribuem para uma experiência sóbria de vida familiar. Em nossas mesas cotidianas, em muitos momentos, “senta” a carestia, as dívidas, a insegurança, a doença, os conflitos e outras demandas.
Tomam lugar à mesa homens e mulheres reais com muitas dificuldades reais, mas também com sonhos e esperanças. Estas pessoas reais vivem em seus lares, apesar das dificuldades, um peregrinar aberto à graça e ao dom de Deus, o ser família ao seu modo.
Neste ano refletimos a vida familiar como peregrina de esperança. A proposta dialoga com o ano jubilar e acentua a condição da família como peregrina neste mundo marcada pela esperança que assinala a vida de todos os cristãos. O apóstolo Paulo assegura o fundamento dessa esperança quando afirma: ora, a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5). É também convidada a olhar a caminhada da família de Nazaré que peregrinou junto à humanidade testemunhando o amor e o cuidado com a vida. O Salvador veio ao mundo através de uma família, pelo sim de uma jovem e de um carpinteiro.
A esperança nos lares pode ser alimentada a partir do compromisso de cada membro, considerando a condição de cada família, que é única e tem uma história única, com desafios próprios da sua trajetória histórica. No peregrinar da família compromissada a ser mantenedora da esperança emergem alguns compromissos. Vejamos alguns.
O primeiro compromisso é acolher com amor a história da família, a história pregressa que diz respeito às raízes remotas dos avós e pais, como também a história mais recente. Toda a família tem uma história e esta é marcada por luzes e sombras, experiências bonitas, engrandecedoras e outras nem tanto. Em alguns casos, diante do pecado, faz-se necessário a experiência do perdão aos outros e do auto perdão. Frente aos fatos bonitos e sustentadores da esperança, humildemente levantar as mãos para o céu e agradecer a Deus pelos benefícios concedidos através da família. É importante olhar para a história da nossa família e reconhecermo-nos nessa história com sobriedade e serenidade; com perdão, se necessário; e com louvor. A nossa família tem uma história e nós somos parte dessa história. A levaremos para a vida toda.
O segundo compromisso diz respeito à capacidade de escuta. O teólogo e poeta de saudosa memória Rubem Alves afirmava a necessidade de desenvolvermos a capacidade de “escutatória”. Diz respeito à capacidade de ouvir o outro. No caso da família, de ouvir o familiar, a esposa, o esposo, os filhos, os pais, os avós. Temos mais facilidade de falar do que escutar. Escutar é um pouco mais complicado. Em tempos atuais exige uma reeducação, o reaprendizado. O mundo tem nos ensinado, de forma equivocada, que devemos nos pronunciar, emitir opinião, jamais calar. O calar, parar e escutar seria sinal de aniquilamento, humilhação. Este equívoco entrou para “nossas casas” porque se o mundo nos cala, nossos familiares devem nos ouvir. É possível ver a situação por outro lado. O ato de escutar como caminho de aprendizagem, colocar-se no lugar do outro, do familiar. Ouvir o que o outro tem a dizer como abertura de coração, abertura de espírito. É um exercício exigente, porém não impossível. Fazer com o familiar o que Maria fez com Jesus, colocar-se aos seus pés para escutá-lo (Lc 10,41). Ambos podem aprender.
O terceiro compromisso compreende ao exercício samaritano. Nossas famílias não são perfeitas. Em nossos lares batem à porta o desemprego, a depressão, a enfermidade, a dependência química, outras dependências, os conflitos de relacionamento. Então, alguns ficam à beira do caminho, assaltados pelos reveses e acidentes da vida. Há de se ter o cuidado para não assumir a postura do sacerdote ou do levita e passar pelo outro lado (Lc 10, 31-32). Não se envolver achando que outras coisas são mais importantes e urgentes ou para não se contaminar com problema alheio. Em alguns casos urge adotar a postura do samaritano. Parar, suspender o que estava fazendo e cuidar daquela pessoa “acidentada” pela vida, porque no momento é a prioridade. Viver o amor e a compaixão dentro de casa (Lc 10, 33-35). É o exercício samaritano que nossas famílias precisam fazer, uma experiência de amor vivida no seio familiar, exigente, mas evangélico, portanto transformador.
Estes compromissos, assumidos no seio de nossas famílias, que são reais e formadas por pessoas reais, com muitas virtudes, mas também limitações e fragilidades, são muito importantes na sua peregrinação neste mundo. Contribuem para que a esperança seja renovada e alimentada a cada dia.
Na Semana da Família possamos rezar e refletir como estamos assumindo eles e outros que são constitutivos da nossa fé.
Fonte: Pe. Ari Antonio dos Reis – Coordenador de Pastoral