Senhor, ensina-nos a rezar (Lc 11,1)
Acompanhamos nas celebrações dominicais deste ano C, segundo o Evangelho de Lucas, a peregrinação de Jesus rumo a cidade de Jerusalém ladeado pelos discípulos e, em alguns momentos pela multidão, que acolhia seus ensinamentos e as transformações dos seus gestos. No seu caminhar Jesus chamou outros setenta e dois discípulos para que reforçassem a equipe missionária, pois a missão era urgente e havia a necessidade de pessoas dispostas e de boa vontade para cuidar da vida ameaçada e fragilizada (Lc 10,1-12). Também apontava, quando questionado pelo mestre da lei, a necessidade de fazer do amor misericordioso uma prática cotidiana, fazendo-se próximo dos necessitados e superando a tentação do legalismo que distanciava as pessoas (Lc 10, 25-37). Ao visitar as irmãs Marta e Maria na condição de Mestre e disposto a ensinar, conclamou Marta, mergulhada no ativismo doméstico, a tirar tempo e paciência para acolher e escutar a sua Palavra a exemplo de sua irmã Maria, naquele momento, a única e premente necessidade.
Assim, o Mestre de Nazaré seguia sua trajetória de peregrino junto com o seu grupo de discípulos. Nesse peregrinar Ele tirava tempo para rezar. E, ao vê-lo rezando, os discípulos sentiram-se provocados. Um deles pediu que que os ensinasse a rezar.
O evangelho deste 17º domingo comum começa narrando esta cena e o pedido do grupo dos discípulos. Um deles disse a Jesus: “Senhor, ensina-nos a rezar, assim como João ensinou aos discípulos dele” (Lc 11,1).
O fato de Lucas dirigir o seu evangelho aos não judeus convertidos à fé cristã, ajuda compreender esta passagem. Como rezar a partir do encontro com Jesus e seu evangelho? Como levar a Deus as necessidades humanas e da vida cristã a partir de um sentido de fé vivida e amadurecida em comunidade? Como a vida de oração dos cristãos convertidos ao Evangelho torna-se o diferencial em meio a outras propostas de espiritualidade?
Lucas revela estas preocupações ao descrever a passagem. Saliento que a primeira leitura sugerida para este domingo (Gn 18,20-32), em diálogo com o texto de Lucas, apresenta a oração de Abraão. Sua prece tem a marca da humildade, confiança e ousadia. É a prece de alguém que aprendeu a fazer a experiência de estar com Deus em oração e pede não para si, mas para outrem. A oração de mediação.
Sobre o texto de Lucas. Certamente os discípulos, vindos da tradição judaica, rezavam como todo o judeu fazia, seja em casa ou na sinagoga. E João Batista, a quem o grupo fez referência, ensinou os seus discípulos a rezar nesta modalidade e tinha também sua forma de rezar. Entretanto, a oração de Jesus, observada pelo grupo, provocou o pedido. Eles queriam algo mais. Era a imersão em outra proposta de oração. Jesus sugerira ao grupo a originalidade da prece, do diálogo com o Pai, como tantas vezes ele mesmo fizera na sua jornada missionária.
Jesus não faz um discurso sobre a oração. Nisto, é fiel a sua trajetória pedagógica, com poucas palavras, mas de sentido profundo. Ensina a oração do Pai Nosso. A afirmação é carinhosa, abbá, traduzida por paizinho. Revela grande intimidade de Jesus com seu Pai. É o ato total de entrega ao Criador através do gesto orante. Mas a entrega tem um acento comunitário que extrapola o desejo individual. A pessoa que reza leva ao Pai a si mesma e os irmãos. Ela não vai ao Pai sozinha. Vai acompanhada. O pessoal e o comunitário unem-se ao Criador mediados pela oração. Na oração esta comunhão vai sendo alinhavada. No caso a oração do Pai Nosso é um gesto de comunhão fraterna e não a manifestação de vontade egoísta.
E a oração vai se caracterizar por alguns pedidos: “santificado seja o teu nome”, que implica em tê-lo como Deus verdadeiro, com a importância devida, justamente pelo amor derramado em toda a humanidade, um amor sem medidas expresso de forma cabal na pessoa de Jesus Cristo; “que venha o teu Reino”, o sentido da vida e missão de Jesus, o Reino instaurado e plenificado, também é compromisso dos que seguem Jesus e abrem-se a ele; “dá-nos o pão de cada dia”, ou seja, o alimento necessário para a vida digna e também o pão da vida eterna, o aqui necessário para viver com dignidade e o futuro que puxa este viver; “perdoa os nossos pecados, pois perdoamos a quem nos deve”, o que compreende o perdão como uma via de mão dupla, que exige pedir perdão e dar o perdão, grande exigência para todos; “não nos deixes cair em tentação”, que se traduz em abandonar o projeto do Reino e suas exigências, fugir de Deus, virar-lhe as costas, optar por um caminho de ausência de Deus, um caminho de sede e amargura.
Em seguida à orientação sobre como rezar, Jesus admoesta o grupo sobre a importância de pedir em oração e garante a certeza da escuta e do atendimento. Pedir é atitude de quem espera receber do outro aquilo que não conseguiria com seu próprio esforço. Se o ser humano corre o risco de perder a bondade e a gratuidade, Deus não age assim. Ele sempre atende. O Mestre insiste: “pedi e recebereis, procurai e encontrareis; batei e vos será aberto. Pois quem pede, recebe; quem procura, encontra; e, para quem, bate, se abrirá” (Lc 11,).
A oração como petição é este diálogo confiante a partir das necessidades reais da vida da pessoa que, pela sua fé, tem a certeza de encontrar acolhida em Deus que é amor, bondade e misericórdia, o paizinho (abbá) que Jesus conclamou no início da sua oração.