Abraçados à cruz, lenços branco e vermelho, sinalizam um compromisso de paz, apesar das farpas e agruras históricas que regaram as veias abertas da Terra de Santa Cruz! A Paz de Poncho Verde, ou Convenção/Tratado de Poncho Verde, assinada em 1945, na localidade de Ponche Verde, hoje Município de Dom Pedrito RS, apresilhou mãos serenando os ânimos para, então, celebrar as exéquias da Revolução Farroupilha, considerada a mais prolongada guerra civil brasileira (20 de setembro de 1835 a 1 de março de 1845).
À memória é importante revisitar caminhos da história para planejar e edificar projetos grávidos de paz, justiça e fraternidade. Quiçá inspirar lideranças político econômicas à vociferar pela paz mundial, considerando as atuais e temerosas articulações entre Otan, Rússia e Ucrânia. Urge, no contexto contemporâneo, questionar-se acerca do que é essencial à comunidade humana. Hipotecar vidas a que custo? Zelar pela paz e a cultura do bem viver parece ter menor importância quando o poder político econômico está em questão. Há engrenagens esmagando valores e princípios caros à digna vida, por quê?
Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelli Gaudium fomenta que “dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços” (EG, n. 223). Traduzindo em outras palavras, significa construir ações capazes de gerar uma nova dinâmica à sociedade, comprometendo pessoas, grupos e instituições em um processo sociotransformador, gestor de acontecimentos históricos significativos ao bem viver, com convicções lúcidas, claras e tenazes, livres de ansiedade. O caminho para a verdadeira paz é fruto de construções dialógicas processuais permanentes, sem imediatismos, muitas vezes característicos de “ganhos políticos fáceis, rápidos e efêmeros” (EG, n. 224) que desconstroem a plenitude humana e o Planeta, nossa Casa Comum.
Na gama de relações, humanas, institucionais e estatais, emergem situações de atrito a inquietar a plena harmonia e a paz. Que fazer? Fortalecer vínculos e laços de unidade, apesar da conflituosa realidade vivencial. Para resolver uma situação adversa, antes de ignorá-la ou mergulhar às suas profundezas ao ponto de afogar-se, perdendo o horizonte de sentido, é prudente enfrentá-la com coragem e ternura. Mais! “É aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de um novo processo” (EG, n. 228). Bem sugere a sagrada escritura: “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Ao abraçar e zelar pela comunhão fraterna, salvaguardando a profecia crítica e construtiva, ultrapassa-se a superficialidade e assegura-se “um princípio que é indispensável para construir a amizade social: a unidade é superior ao conflito” (EG, n. 228).
Na dialética da vida socioeclesial revela-se salutar revisitar o testemunho das primeiras comunidades cristãs que, ante as múltiplas situações de morte, mantinham-se fortalecidas pela unidade, pois, “a multidão dos que acreditavam era um só coração e uma só alma” (At 4,32). A paz social frutifica-se na unidade dos corações que, juntos, pulsam esperanças e levedam utopias concretas frente as milhares de fragmentações e rupturas reveladas ou veladas da realidade presente. Ora, “o anúncio da paz não é a proclamação de uma paz negociada, mas a convicção de que a unidade do Espírito harmoniza todas as diversidades. Supera qualquer conflito numa nova e promissora síntese” (EG, n. 230).
O diálogo consciente entre razão e realidade mostra-se um fator importante, neste caminhar, pois, evita-se sofismo, locuções abstratas, fake news, absolutismos e fundamentalismos anti-históricos, dentre outros ismos. Respeitar o construto histórico da sociedade, refletindo-o de forma plena propicia, à luz da Boa Notícia, edificar um caminho eficaz de evangelização libertadora capaz de “passar do nominalismo formal à objetividade harmoniosa” (EG, n. 232). Pensar e concretizar a paz no peregrinar da alteridade social com vistas à Civilização do Amor, implica ter os pés na realidade, sem perder o horizonte último, isto é, a Boa Notícia do Reino de Deus que deseja vida em abundância (Jo 10,10) às pessoas e à toda criação. Constrói-se o bem comum, a paz e a amorosidade social, sempre resguardando o que está próximo, enraizados à experiência histórica e, ao mesmo tempo, nutrindo de sonhos “uma perspectiva mais ampla” (EG, n. 235).
Cada pessoa de boa vontade, é chamada à paz, à justiça, à fraternidade, à alegria do encontro e cuidado à vida. Um verdadeiro poliedro à cultura de paz “reflete a confluência de todas as partes que nele mantem a sua originalidade” (EG, n. 236) e suplanta as arestas proliferadoras de tensões insignificantes à digna harmonia. Portanto, enquanto sujeitos promotores da não violência vamos, à luz do Evangelho, cevar o chimarrão da esperança e da amizade, para juntos e juntas celebrar a Paz!