Conforme evidenciado no artigo Laudato Si: bases e apoio científico, vamos nos aprofundar na encíclica Laudato Si. Hoje, o Capítulo 1 nos servirá como norteador.
Iniciamos com esta indagação que o Papa Francisco faz a si, mas também a cada um de nós. Neste sentido, é essencial nos recordarmos que somo guiados, na Laudato Si, pelo método Ver-Julgar-Agir, que é bastante tradicional em nossa Igreja. Por isso, cabe fazer esse alinhamento conceitual e da realidade do nosso contexto.
Dessa forma, para tornar ainda mais de didática a explanação, somos convidados a focar em seis faces do problema.
A poluição e as mudanças climáticas
Não é nenhuma surpresa que este seja o primeiro tema. Inclusive já trouxemos esse olhar por aqui, no artigo: Uma reflexão necessária para o futuro da humanidade.
Interessante são os primeiros apontamentos do Papa Francisco:
“A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo.” (LS, 21)
Ainda destaca Francisco:
“Se o clima é um bem comum, de todos e para todos, a mudança climática é um problema global com graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, e representa um dos principais desafios atuais da humanidade.” (LS, 23)
Por isso, o Papa destaca como a poluição do ar, da água e do solo afeta tanto a natureza quanto a saúde humana. Ele também alerta sobre o aquecimento global, relacionando-o às atividades humanas e à necessidade de ações urgentes para minimizá-lo.
A questão da água
A água potável e segura é um direito humano fundamental, mas muitos não têm acesso a ela. O desperdício e a contaminação da água são problemas graves que impactam especialmente os mais pobres.
“O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal.” (LS, 30)
Neste contexto, temos uma amiga que está em Angola (África) e ela nos contou que lá não tem água encanada em muitas das casas. Nos disse que na capital (que é onde ela está), as pessoas lavam as mãos na sarjeta das ruas.
Além disso, no Brasil, como um país predominantemente agrícola, onde nossa matriz econômica, na sua maioria, está embasada na produção de comodities, as pesquisas mais recentes apontam que 80 % da água potável é utilizada na agricultura. Ou seja, o controle do desperdício vai muito além de cuidar, somente, em nossas casas.
Perda da biodiversidade
A destruição de ecossistemas, o desmatamento e a extinção de espécies causam um desequilíbrio ambiental preocupante. A biodiversidade não é apenas um recurso econômico, mas tem valor em si mesma.
Precisamos parar de ver a natureza como algo a ser explorado e sim passar a enxergar como parte da criação, que nos fora dado o privilégio de cuidar.
“Cada ano desaparecem milhares de espécies vegetais e animais que já não poderemos conhecer, que nossos filhos já não poderão ver, perdidas para sempre.” (LS, 33)
Afinal, infelizmente, em razão de tanta ganância, as futuras gerações não terão a oportunidade de conviver, com um vasto número de espécies. Elas serão mais uma fotografia bonita nos livros de ciências naturais.
Deterioração da qualidade de vida humana e degradação social
O ambiente degradado afeta diretamente a qualidade de vida, especialmente das populações mais vulneráveis. O crescimento descontrolado das cidades e o consumismo exacerbado contribuem para isso.
“A degradação do ambiente e a degradação da sociedade afetam de um modo especial os mais frágeis do planeta.” (LS, 48)
Fato é que, quanto mais machucado está o nosso ambiente, pior será a qualidade da vida humana. Novas epidemias aparecerão e o abismo social aumentará ainda mais, com maior sofrimento para os mais vulneráveis.
Desigualdade global
Os países mais pobres sofrem mais com os impactos ambientais, apesar de serem os que menos contribuem para a degradação. Isso revela uma crise ecológica e uma crise social.
“A submissão da política à tecnologia e às finanças revela-se no fracasso das cúpulas mundiais sobre o meio ambiente.” (LS, 54)
Uma das grandes “desculpas” dos países em desenvolvimento é que esse discurso de preservação vem dos países ricos, os quais já devastaram o planeta e agora, por medo de perder recursos para si, impõe aos demais práticas mais sustentáveis. Em grande parte, nações como China e Índia são defensoras dessas posições e, por consequência, não contribuem ou quando o fazem é de forma muito tímida com a agenda “verde”.
Por sua vez, vemos países como os Estados Unidos, especialmente a partir do segundo mandato de Donald Trump, dizerem que vão investir mais ainda em combustível fósseis para atender as demandas de energia de sua população. Além disso, países do Oriente Médio, onde a base de suas economias gira em torno do petróleo, também não farão muitos avanços para mudar essa matriz econômica tão cedo. Por ironia, as últimas COPs do clima ocorreram em Dubai (2023) e no Azerbaijão (2024). Ambos os países fortes produtores de combustível fóssil.
Neste sentido, é muito lúcida a mensagem do Papa Francisco:
“Existe uma verdadeira ‘dívida ecológica’ sobretudo entre o Norte e o Sul.” (LS, 51)
A propósito, sobre essa questão da dívida ecológica iremos tratar em outra postagem, dado a importância deste conceito.
Nós nos preocupamos tanto com o movimento econômico, mas após anos e anos de exploração da natureza de forma desenfreada, quem vai pagar esta conta?
Enquanto alguns investem dinheiro para encontrar um novo planeta habitável, outros se esforçam pata conseguir encontrar água ou tirar o sustento da terra, que já não produz mais por estar tão degradada.
Fraqueza das reações
Apesar dos avanços científicos e tecnológicos, a resposta global às mudanças ambientais ainda é insuficiente. Há resistência por parte de interesses econômicos e políticos que dificultam uma verdadeira mudança.
Precisamos entender que o atual sistema é muito favorável para alguns poucos países e pessoas. Estes poucos detém o poder econômico e social. Além disso, o pensamento imediatista não se preocupa com a dor do outro, com as futuras gerações. O seu olhar está em realizar os próprios desejos e anseios.
Ainda, também já trouxemos aqui, a ideia de meritocracia. Esta carrega consigo o sentimento de que cada um faça por si e o fracasso está, única e intimamente, conectado às ações pessoais. Isto, independentemente dos meios, pois estes justificam os seus fins. Naturalmente, esta visão não favorece o desenvolvimento de um olhar sistêmico e a possibilidade de mea culpa. Afinal, pensam eles, são pobres porque não se ajudam.
Por fim, o capítulo termina enfatizando que tudo está interligado e que a crise ecológica exige mudanças profundas no modo como a humanidade se relaciona com a natureza e uns com os outros.
Dessa forma, precisamos entender que esta pauta é muito mais complexa e profunda do que simplesmente um olhar de direita ou de esquerda. Outrossim, é sobre ter coragem, ser humano e ter o bom senso de entender que toda a obra de criação merece dignidade e viver em plenitude.
Fonte: Jocelito André e Valeska Salvador
