Hoje a Igreja celebra a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, uma tradição que vem desde o século XIII. Esta celebração lembra à comunidade cristã a presença real de Jesus na Eucaristia. O pão e o vinho ofertados pela comunidade celebrante se transformam no Corpo e Sangue do Filho de Deus. Aquele que se ofereceu ao povo como o pão vivo descido do céu (Jo 6,51)) se faz presente no encontro de cada comunidade que celebra a fé, atendendo o Seu pedido, como afirma o Prefácio da Eucaristia I: “Ele, o verdadeiro e eterno sacerdote, oferecendo-se a vós pela nossa salvação, instituiu o Sacrifício da nova Aliança e mandou que celebrássemos em sua memória”. Jesus entrega o pão e o vinho. Entrega sua vida, seu Corpo e Sangue. E nós, na celebração da Eucaristia, nos alimentamos do seu Corpo e Sangue como seus seguidores.
É um mistério profundo do qual temos a graça de participar. Reunimo-nos na mesma fé para rezarmos a memória do Senhor Jesus e Ele se faz verdadeiramente presente entre nós. Assim, nos alimentamos, nos fortalecemos e nos animamos como povo de Deus. Mas, para quê?
Certamente não para continuarmos ao “redor da mesa” no espaço celebrativo. A Eucaristia nos provoca a sair. É preciso sair, como os discípulos saíram na noite da última ceia. Eles não ficaram ao redor da mesa, trancados em casa, tentando compreender o momento. Saíram e passaram pelo enfrentamento da cruz, quando a crise e o medo se abateram sob o grupo. Saíram e precisaram abrir os olhos, ouvidos, inteligência e coração para, depois, acolher a boa nova da ressurreição e convenceram-se que o projeto não tinha acabado. Saíram e tiveram que novamente abrir-se para receberem o Espírito Santo, quando viram a necessidade de, sob a força do Sopro Divino, sair para anunciar o Evangelho a todas as gentes.
Aquele momento de entrega, de partilha do pão e vinho, feitos Corpo e Sangue, gerou outros momentos significativos na vida dos discípulos de Jesus. Não foi um momento isolado. Teve um processo que o antecedeu, a missão do Nazareno a partir da Galileia, onde encontrou-se com corpos considerados impuros (Mt 8, 1); paralisados pela doença e preconceito (Mc 2 3ss); doentes (Mc 1, 32ss e Mt 8, 1ss); famintos (Mc 8, 2ss); confusos (Mc 5, 1ss); sem vida (Lc 7,11ss). E teve o processo posterior, a missão dos seus seguidores, com a tarefa de continuar a sua obra (Mc 16, 15ss; Mt 28,16ss).
Quando o grupo passou a se reunir para celebrar a memória do Mestre, faziam-no em meio a tantas outras atividades, próprias da vida cristã que se iniciava. O encontro para a ceia era muito importante, contudo, intimamente ligado a outras atividades. E isto construiu a tradição da Igreja.
Ao afirmar que a Eucaristia é o “centro e fonte de toda a vida cristã”, compreende-se que da Eucaristia demandam outros compromissos inerentes à fé cristã. O inquestionável zelo pela Eucaristia exige também o zelo por outras dimensões da vida cristã. Celebramos o memorial de Jesus Cristo, nos alimentamos do seu Corpo e Sangue e reafirmamos o compromisso de dar continuidade à sua proposta em comunhão com a sua Igreja.
Ao participarmos da celebração do Corpo e Sangue de Cristo, tenhamos a consciência da responsabilidade desse ato. Nestes tempos de enfermidade social, nos encontraremos com o Corpo e Sangue de Cristo doados. Mas não vamos evitar de também nos encontrarmos com os corpos famintos, doentes, desesperançados, maltrapilhos. Aquele homem que se fez presente na Eucaristia está presente nesses corpos (Mt 25, 31ss) e quer encontrar-se conosco também por essas mediações.
